criancasO papel da família no desenvolvimento emocional das crianças.

Qual o reflexo das atitudes da família no desenvolvimento emocional da criança? Qual o legado que a família deixa para cada um? Como a família pode contribuir para o desenvolvimento emocional e social de seus filhos?

Autora: Luciana Escarmanhani

CRP – 06/65.601

Qual o reflexo das atitudes da família no desenvolvimento emocional da criança?

A família é o primeiro grupo de convivência onde a criança aprende a se relacionar afetivamente, a ter autopercepção, a interagir com o outro, a vivenciar as alegrias e as tristezas, o amparo e o refúgio, o incentivo e o apoio, entre outras emoções e sensações.

O pai e a mãe, ou outro cuidador, é quem dá à criança a primeira experiência de relação afetiva. De acordo com a visão de John Bowlby, autor da Teoria do Apego, os bebês nascem com uma tendência inata a criar fortes elos emocionais com seus provedores de cuidados, sendo que estas relações possuem um valor de sobrevivência, trazendo atenção de todas as espécies ao bebê. Tal vínculo é fundamental para o desenvolvimento e formação psicossocial da criança, trazendo segurança e conforto e possibilitando o desenvolvimento do comportamento de exploração, fundamental no processo de aprendizagem.

John Bolwby relata os resultados de estudos psicológicos com crianças separadas de suas mães durante os bombardeios na Segunda Guerra Mundial. As crianças separadas das mães por motivos de segurança tiveram mais prejuízos emocionais do que as que presenciaram os bombardeios, estando ao lado de suas mães.

“Quando você está apegado a alguém, você sente (ou espera sentir) uma sensação especial de segurança e conforto na presença do outro, podendo usar o outro como uma “base segura” a partir do qual você explora o resto do mundo”. (Hellen Bee)

Passei a me interessar pelo tema “família” depois de três anos de atendimento em ambulatório hospitalar, conduzindo psicoterapia individual e em grupo, de pacientes encaminhados por psiquiatras, neurologistas, clínicos gerais, entre outras especialidades médicas. Durante esta experiência ficou evidente que muitos dos problemas emocionais, sociais, profissionais, afetivos, de saúde física, de relacionamento, entre tantos outros, começaram na infância. Claro que não podemos depositar todas as responsabilidades dos problemas na família, mas uma parte considerável foi desenvolvida e aprendida a partir desta relação afetiva.

A partir de então mudei minha prática e passei a fazer Orientação Familiar em escola, com o objetivo de ajudar, acolher e ampliar a visão da família no desenvolvimento infantil. Nesta vivência, onde atuo há cinco anos, fica ainda mais claro o impacto da família no desenvolvimento da criança. Na maioria dos casos, quando há uma compreensão clara dos pais sobre o significado do comportamento do filho, e a partir daí, uma resignificação das relações familiares, notamos o reflexo diretamente no comportamento da criança.

Existem inúmeros exemplos, mas só para citar alguns posso destacar os problemas da superproteção. Geralmente as crianças superprotegidas mostram insegurança para conhecer e experimentar novas experiências, baixa tolerância à frustração, dificuldade em compreender as regras coletivas, ansiedade, impaciência e dependência. Neste caso, a criança não aprendeu a desenvolver os seus próprios mecanismos de enfretamento diante da vida, ficando assim numa postura de dependência dos pais ou de outros cuidadores. Neste caso, foi tirada da criança a oportunidade de aprender a fazer por ela mesma, enriquecendo assim, seu universo de possibilidades e adaptações criativas diante das adversidades da vida.

Outro problema muito comum está relacionado à falta de limites. Um livro que sempre indico aos pais é o “Limites sem Traumas” da Tania Zagury. Ela aponta uma série de riscos para o desenvolvimento psíquico quando a criança não aprende e a ter limites. Os riscos vão desde um descontrole emocional e ataques de raiva, à distúrbios de conduta, desrespeito aos pais, colegas e autoridade, e por fim, problemas psiquiátricos.

A falta de limites claros gera angústia e ansiedade na criança ao ser permitido tudo o que ela quiser, numa fase em que ainda não tem maturidade emocional o suficiente para certas decisões. A criança pede por limites, e quando o adulto se posiciona com firmeza, segurança e amor, a criança compreende e acalma, ficando algumas vezes, menos ansiosa.

Outro ponto importe é ensinar as crianças a lidar com a frustração. A criança precisa ouvir alguns “não” para que possa aprender a lidar com as primeiras frustrações, sendo este um aprendizado importante na educação emocional.

Qual o legado que a família deixa?

De acordo com Bruno Bettelheim, no seu livro “Uma Vida para seu Filho: Pais Bons o Bastante o significado de uma criação bem sucedido diz respeito a “…capacidade de enfrentar razoavelmente as infindáveis vicissitudes, as muitas agruras e as sérias dificuldades que, muito provavelmente, encontrará pela frente, e fazer isso sobretudo porque se sente seguro”

Alguns vão para o mundo de maneira segura, explorando o novo, com boa autoestima, outros já se sentem mais inseguros, com medo, com dificuldades de enfrentamento, baixa autoconfiança, outros mais cautelosos, outros mais impulsivos e inconsequentes… Claro que temos que considerar as características de personalidade de cada um, mas a educação da família tem uma grande influência.

Se uma mãe ou pai ensina ao filho que ele precisa ser educado e respeitar as pessoas mais velhas, provavelmente este filho deve levar esta memória para suas relações, respeitando seus professores, colegas, entre outros. Se uma criança pega algo que não é seu e seus pais lhe ensinam que deve devolver e pedir desculpas, provavelmente esta criança aprenderá a não repetir esta ação. Mas, se, mesmo diante de comportamentos inadequados os pais nada disserem, este será o legado que a criança levara em suas relações com o mundo.

Vale pensar quais princípios e valores a família não abre mão para reforçar esta atitude na educação dos filhos. A criança não vai aprender num piscar de olhos. A aprendizagem requer paciência e é gradativa. São sementes que os pais plantam nos filhos e regam todos os dias. Leva um tempo até que um comportamento vire hábito.

Afinal, como a família pode contribuir para o desenvolvimento emocional e social de seus filhos?

Percebo que é fundamental para a criança que a sua família, principalmente o pai e a mãe, sejam de fato seu porto seguro. A criança precisa sentir que os pais lhe ajudem com as suas emoções e perceber que eles têm mais controle emocional que ela, uma base de segurança.

Na fase dos 2 aos 6 anos, a criança não tem controle emocional, e sim o adulto (ou esperamos que ele tenha). Também não quero dizer que os pais tem que ser 100% controlados e equilibrados, afinal somos seres humanos… Mas a criança ainda está em seu desenvolvimento emocional e é importante compreendermos este momento e ensinar, ensinar e ensinar…

No que se refere às habilidades sociais, limites, rotina e regras, indico o filme “               Nany MacPhee- Uma Babá Encantada”. No filme um viúvo, pai de 07 filhos, se vê em desespero ao ter que cuidar dos filhos, até que chega a babá encantada com cara de bruxa. Mas, na medida em que ela vai ensinando bons comportamentos às crianças, suas marcas de bruxa vão sumindo. Quando ela coloca os devidos limites e regras de convivência saudável, as crianças passam a querer que ela fique. Ou seja, num primeiro momento, o limite e a regra, não são bem vistos aos olhos da criança, mas depois que elas aprendem, há uma reorganização emocional, pois o limite é um ato de amor e afeto. A frase da babá é: “Enquanto vocês precisarem de mim e não me quiserem eu permanecerei aqui, mas quando me quiserem e não precisarem de mim, deverei partir.”

Crescer em uma família onde tenham relações de respeito, amor, afeto, diálogo, ajuda mútua, valorização do outro, harmonia, intimidade e valores, capacita os filhos a estabelecerem boas relações com os outros, dando sentido à sua vida e à dos outros. Vale lembrar que a família é mais do que a soma de seus membros. Assim, cada um precisa fazer algo por ela, a responsabilidade é de todos. A ideia não é encontrar culpados, mas pensar o que cada um pode dar de si para chegar ao objetivo comum que tenha sentido para todos os envolvidos.

“os filhos são flechas que lançamos ao mundo” (Kalil Gibran)

 

 

 

 

Referências Bibliográficas:

  • BEE, Helen. A criança em desenvolvimento, Artes Médicas.
  • ZAGURY, Tania. Limites sem Trauma. Rio de Janeiro, Record, 2002.
  • ZAGURY, Tania. Escola sem conflitos. Rio de Janeiro, Record.
  • VEJA, Pais Superprotetores.  Revista Veja, edição 2160. Abril 2010.
  • BRANDEN, Nathaniel. Auto-estima e os Seus Seis Pilares, Saraiva. 1998
  • BETTELHEIM, Bruno. Uma Vida para seu Filho: Pais Bons o Bastante, Campus

 

 

Luciana Escarmanhani Avelino, CRP: 06/65.601, é psicóloga Clínica, Terapeuta de Casal e Família pela PUC – SP, e responsável por Orientação Familiar em Colégio Particular. www.lucianaescar.com.br. Luciana.escar@gmail.com

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